'Cortar investimento em saúde sai mais caro no final', afirma Gaona

27/05/2019

 O executivo colombiano Juan Carlos Gaona comanda uma das mais importantes operações do laboratório Abbott no mundo. A empresa é líder global de cuidados com a saúde, com mais de 103 mil funcionários em 160 países. Presente no Brasil há mais de 80 anos, a Abbott emprega aproximadamente 2.400 colaboradores no país, em áreas como produção, pesquisa e desenvolvimento, logística, vendas e marketing. Em entrevista ao Correio, Gaona fala das inovações que estão transformando o setor, dos desafios de investir no mercado brasileiro e das perspectivas para os próximos anos.

 

Que inovações a Abbott está trazendo para o Brasil?

Estamos trazendo muitos novos produtos em nossas diversas áreas de atuação. Investimentos em quatro grandes frentes: o negócio nutricional, diagnóstico, dispositivos médicos e produtos farmacêuticos estabelecidos. Em todas elas, a inovação está presente. Na área farmacêutica, a grande novidade é um inalador que permite que a partícula do medicamento inalada por uma criança com asma, por exemplo, seja entregue no local específico do pulmão. Os outros inaladores não fazem isso. Na área de diagnóstico, temos o lançamento da linha Alinity, que é algo novo no portfólio de soluções em diagnóstico, que permite que você seja muito mais eficiente em exames de laboratório. Com ele, basicamente, é possível ter um número maior de testes, na metade do espaço que antes ocuparia. Isso faz com que o laboratório de diagnóstico tenha muita eficiência.
 

Na prática, o que isso muda para as empresas do setor de saúde?

Tudo isso gera uma oportunidade para que o sistema de saúde seja cada vez melhor gerenciado e mais produtivo. Temos também novidades intensas, como o Sierra, que é um medicamento que trouxemos para o Brasil e que oferece aos pacientes cardiovasculares a chance de gerenciamento do ritmo cardíaco. É uma solução que anteriormente não existia. Essa inovação está atrelada a outro produto, que permite o monitoramento contínuo da glicose. Com ele, pacientes diabéticos conseguem saber em tempo real, pelo smartphone, seu nível de glicose, sem a necessidade de furos nos dedos e amostras de sangue. Tudo funciona com um sensor encostado na pele.
 

Se isso já existe, por que os exames continuam seguindo o modelo convencional? 

Falta conhecimento e investimento. Se o paciente não precisa mais furar o dedo, essa é uma grande revolução. A tecnologia traz mais qualidade de vida, além de permitir que se tenha uma visão muito mais completa da sua doença, com dados históricos e estatísticos.
 

O que representam no negócio da Abbott as vendas para o governo e para o setor privado?

É muito diferente um negócio do outro. Não temos como definir esse número. No diagnóstico molecular, por exemplo, temos um contrato muito grande com o SUS. Nesse caso, temos uma parceria muito importante com o governo.
 

A crise fiscal do governo e as dificuldades gerais da economia não afetaram as vendas da companhia?

O desafio é dar mais eficiência ao sistema como um todo. Estamos muito cientes da complexidade que tem a sustentabilidade futura do sistema de saúde pública e privada no Brasil e no mundo. É inegável que a conta está ficando difícil de equilibrar, em razão principalmente da ineficiência do sistema. Quando um paciente está bem diagnosticado, e ele tem um tratamento adequado, ele tem menos complicações ao longo da vida e gera menos custos com possíveis complicações. Pacientes com diabetes deveriam viver uma vida absolutamente normal, simplesmente cuidando da doença.
 

O problema é a falta de diagnóstico?

O problema é quando há um paciente que, sendo ou não diagnosticado, gera complicações sérias nos rins, nos olhos. Em alguns casos, até mesmo perdendo um pé ou evoluindo ao óbito. A negligência  gera um custo brutal para o sistema de saúde, e sai mais caro no final nas contas. Muitos governos já entenderam isso, como Japão, Inglaterra e Estados Unidos, e estão investindo em monitoramento contínuo para que o custo seja menor.
 

No Brasil não existe esse investimento?

Ainda estamos muito focados em procedimentos que curam doenças, sem a preocupação com a prevenção dessas doenças. Então, quando alguém diz que não investe em novas tecnologias porque elas são caras, provavelmente não está fazendo a conta do longo prazo. Temos de criar um debate para entender melhor esse modelo, tanto para pagadores, governos, hospitais, quanto para a indústria. Precisamos chegar a um acordo que leve em conta a qualidade de vida, custos e prevenção de doenças ou o agravamento delas. Quando se corta investimento em saúde, o custo é mais alto no final.
 

O problema da falta de investimento na prevenção é um problema mais focado na saúde pública ou isso também tem acontecido na iniciativa privada?

É um problema cultural, na verdade, mas está mudando. Felizmente, a gente está vendo que o comportamento, a atitude do paciente estão mudando. Faz algum tempo, claramente, que o paciente está mais empoderado com as novas tecnologias. Hoje em dia, um celular pode fazer os mesmos diagnósticos que um laboratório fazia 10 anos atrás. O smartphone pode monitorar a saúde, controlar a qualidade do sono, da dieta, da rotina de exercícios e muitas outras coisas. Com mais informações nas mãos, os pacientes podem decidir o que devem ou não fazer para viver mais e melhor. Há quase 240 milhões de celulares no Brasil. É mais celular do que gente. O sucesso depende de como iremos conscientizar esse paciente de que ele é a chave do jogo.
 

Mas o autodiagnóstico não é um risco para o paciente?

Não. A gente vê só coisas positivas nisso. É possível que existam alguns setores que possam se sentir incomodado, porque o paciente, cada vez mais, vai ter mais visão e poder de decisão. Mas esse movimento faz parte da mudança natural da nova economia. Não vejo riscos porque, no final do dia, quanto mais educado e bem informado estiver o paciente, menos ele precisa ir ao médico.
 

Mesmo com a crise na saúde pública e privada, a Abbott vai continuar investindo em pesquisa e desenvolvimento?

O orçamento não é fixo, depende de cada ano. Mas vamos seguir investindo, sim. No ano passado, nosso orçamento foi de US$ 2,3 bilhões, proporcional ao faturamento de US$ 30 bilhões. A cada ano, esse valor deverá aumentar.
 
Qual a relevância do Brasil na estratégia de desenvolvimento de novos produtos?
O Brasil faturou mais ou menos US$ 500 milhões no ano passado. É uma das filiais mais relevantes para a companhia, não só em razão do faturamento, mas principalmente pelo que enxergamos como oportunidade para um país que tem 202 milhões de pessoas e ainda uma grande necessidade não atendida. Um exemplo dessa relevância é a decisão de termos investido, em 2015, R$ 20 milhões na construção de um centro de desenvolvimento farmacêutico no Rio de Janeiro. Fizemos isso em um dos piores anos da crise econômica. Temos um engajamento com o Brasil a longo prazo. Estamos no país há mais de 80 anos, e vamos ficar pelo menos mais 80.
 

Qual sua visão sobre o atual momento da economia? Existe uma relação direta entre o desempenho econômico com os resultados da Abbott?

Existe. Obviamente, quando se está inserido numa economia pujante, sentimos os benefícios. Os segmentos crescem muito mais rapidamente. Somos otimistas em relação ao Brasil por conta da nossa visão de longo prazo. Honestamente, não nos preocupamos muito com quem está hoje no poder. Agora, feita essa ressalva, há um pequeno descolamento em termos da saúde com o ritmo de crescimento da economia. A saúde é um setor resiliente. Quando as famílias precisam cortar custos, a saúde é a última da lista.
 

Quanto a empresa cresceu em 2018 e qual a previsão para 2019?

Eu não posso responder. Cada negócio tem uma dinâmica diferente. O que posso dizer é que crescemos acima dos mercados com os quais concorremos e o nosso objetivo é continuar nesse ritmo em cada um dos nossos negócios. Temos uma ambição muito clara de sermos o número 1 ou o número 2 em cada um dos mercados em que atuamos.
 
Fonte: Correio Brasiliense

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