Técnica de Enfermagem do Hospital Ouro Verde, em campinas, sobrevive a Covid-19 e conta sua história

15/06/2020

 Nicoli Iara Santos Mota sempre sonhou trabalhar na área da saúde. “Ser enfermeira era um sonho de criança”. Em fevereiro de 2019 terminou o curso de Técnica em Enfermagem e em novembro conseguiu o primeiro emprego no Hospital Ouro Verde, em Campinas. Em menos de seis meses se tornou mais uma das vítimas da pandemia pela Covid-19. O Brasil registra 296.033 infectados, 19.148 óbitos e 116.683 recuperados. E Nicoli festeja, pois entre esses últimos.

Na próxima sexta-feira, 22, ela completa 25 anos. E ela tem um motivo a mais para comemorar. Renasceu após uma batalha de quase dois meses contra a Covid-19. Contraiu o vírus no hospital onde trabalha, o Ouro Verde, em Campinas. Não dá para dizer que ela sentiu na pele o que é estar na UTI, setor onde trabalha, pois não se recorda de nada dos 31 dias de internação, dos quais 29 na UTI. “Às vezes me vem à mente meus colegas passando, mas não sei se é desse período”.
 
 
“Não me deixe morrer”
 
A internação aconteceu no dia 7 de abril. E ela pouco se lembra do que aconteceu depois. Seis dias depois foi levada para a UTI. “Eu não queria ser intubada. E minha última lembrança foi quando a médica foi falar comigo para me convencer que este procedimento era o melhor para mim. Eu cedi e só disse para ela: não me deixe morrer, Dra.!”, conta Nicoli. Depois disso foram 23 dias de intubação endotraqueal, seguida por uma traqueostomia.
 
Mas até chegar esse dia, quando teve a conversa com a médica, Nicoli peregrinou por médicos e ainda que as autoridades médicas digam que os profissionais da saúde têm prioridade para realizar o teste para a Covid-19, o exame não foi feito. Ela começou a sentir os primeiros sintomas no começo de março (não sabe precisar o dia) e foi a um médico que a afastou do trabalho por 14 dias.
 
Após nove dias de afastamento foi até o médico do trabalho do hospital e este decidiu suspender sua licença médica e Nicoli voltou ao trabalho sem estar plenamente recuperada e sem realizar o teste para Covid-19. Ela volta para a sua rotina habitual na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) onde trabalhou cuidando dos pacientes por 4/5 dias.
 
Com fortes dores nas costas, no fundo dos olhos e febre acima de 38 graus decidiu passar pelo Pronto Socorro do próprio hospital, e recebeu mais dois dias de atestado. Como o quadro se agravava, voltou ao PS do Ouro Verde, onde o médico de posse do exame de RX, constatou a pneumonia e lhe deu mais onze dias de licença médica.
 
Pelos cálculos, Nicoli, nessa altura já estava há cerca de 20 dias perambulando por consultas, afastamentos médicos e rotina de trabalho no hospital. E mesmo assim, seu quadro se agravava cada vez mais. Sem condições para ficar em casa e necessitando de atendimento ela voltou ao hospital. “Aí eu já não estava nada bem e precisei ser colocada no oxigênio, coletaram gasometria (tipo de exame de sangue), mas já me levaram para a UTI”, conta ela. E o teste para Covid? Ela acredita ter feito já na UTI. Depois disso foi tudo muito rápido. Com o problema respiratório se agravando, precisou ser intubada e passar por traqueostomia.
 
 
Após alta, novos desafios
Após 31 dias de internação, a Técnica em Enfermagem teve alta no dia 6 de maio e tenta se recuperar em casa. Mas outros desafios esperam por ela. O primeiro é a completa recuperação da saúde e o segundo, a sobrevivência. Passadas duas semanas da alta, Nicoli ainda sente fraqueza, pernas enrijecidas e sintomas de cansaço. “A médica me disse que perdi massa muscular e então a recuperação é mais demorada”. Outro problema é a traqueostomia. Nicoli aguarda que o processo de fechamento do procedimento possa ser feito, pois acha que isso pode contribuir para o retorno a vida normal.
 
 
A sobrevivência
Poder voltar ao trabalho e retomar as atividades é o foco dela. Apesar do medo que ainda sente, sabe que este é o caminho. Por ora, entrou com pedido do auxílio-doença no INSS, mas precisa aguardar para passar por perícia. “Tenho medo de voltar ao trabalho. Não sei como vai ser, mas preciso”, diz ela que está com os pais com contrato suspenso das empresas nas quais trabalham e sem salários. Eles dependem do benefício do Governo federal que até agora não saiu.
Os pais que trabalham na área têxtil, sofreram a ausência da filha e não puderam visitá-la no hospital. Além disso, conta que o pai, Orlando Mota, apresentou sintomas leves da Covid-19 com perda de paladar, febre e dores no corpo, enquanto a mãe, Maria do Rosário, apresentou quadro de tosse. Eles não foram monitorados pelos órgãos de saúde do município e não fizeram teste para Covid-19.
 
“Queremos o que toda a população quer. Ter a saúde de volta e retomar a nossa rotina de trabalho. Mesmo que esteja vivendo um momento de dúvidas e medo, ainda quero fazer faculdade de enfermagem para seguir ajudando na área da saúde”, completou ela.
Sindicato alerta que Covid-19 é acidente de trabalho
 
A presidente em exercício do Sinsaúde Campinas e Região, Sofia Rodrigues do Nascimento, alerta que o Supremo Tribunal Federal decidiu, em liminar julgada no dia 29 de abril, que o fato de o trabalhador ser contaminado por Covid-19 deve ser considerado como doença ocupacional, o que significa que deve ser enquadrado como acidente de trabalho. “E o estabelecimento de saúde está obrigado a preencher a CAT (Comunicado de Acidente de Trabalho)”, frisa Sofia.
A decisão foi proferida em julgamento de um em conjunto sete ADis (Ações Diretas de Inconstitucionalidade), apresentadas por partidos políticos e confederações de trabalhadores para discutir dispositivos da MP 927/2020, do governo federal. A maioria dos ministros votou a favor do relator, Marco Aurélio Mello, e suspendeu os artigos 29 e 31 da medida provisória do governo. O primeiro artigo restringia as possibilidades de considerar a contaminação por Covid-19 como doença ocupacional. Já o artigo 31 tratava da atuação de auditores fiscais do trabalho.
 
 
Suporte psicológico aos trabalhadores
 
A iminência de contágio pelo Cobid-19, o medo de contaminar a família e a convivência diária com o sofrimento dos pacientes contaminados tem tornado a vida dos profissionais da saúde mais difícil. “Ainda que os trabalhadores estejam acostumados a trabalhar nesse ambiente, os problemas psicológicos que já existiam, tornaram-se mais agudos e há necessidade urgente que as autoridades de saúde, empregadores e sociedade olhem para esta realidade”, observa Sofia Rodrigues.
Como forma de contribuição a saúde dos trabalhadores, a diretoria do Sinsaúde que já mantinha um serviço de apoio psicológico para a categoria decidiu ampliar a oferta de atendimento por meio eletrônico. Também enviou ofício a todos os estabelecimentos de saúde solicitando que os mesmos coloquem seus departamentos de psicologia também para atender os trabalhadores da saúde.
 
O Sinsaúde está atento e procurando dar o melhor suporte aos trabalhadores, que assim como Nicoli, são linha de frente nessa batalha. “Estamos dando todo suporte a ela e cobrando dos hospitais medidas de segurança, EPIs e a relação dos trabalhadores infectados. Os profissionais da saúde merecem ser respeitados, valorizados e receber todo atendimento que venha a contribuir para a qualidade do trabalho que desempenham”, finaliza Sofia.
 
Fonte: Sinsaúde Campinas

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