Tristeza e ansiedade na pandemia não são sinônimo de doença mental

02/06/2021

 A pandemia ceifou a vida de mais de 460 mil brasileiros, afastou-nos uns dos outros e impediu que as famílias vivessem seus rituais de luto —um cenário que desperta tristeza e ansiedade.

 
Mas, segundo especialistas que participaram do seminário Saúde Integral, organizado pela Folha, é preciso diferenciar uma reação normal à tragédia da crise sanitária de uma situação patológica.
 
“Tenho receio de pessoas começarem a achar que estão deprimidas por causa da pandemia”, afirma Luís Correia, diretor do Centro de Medicina Baseada em Evidência da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública.
 
Ele chama a atenção para uma patologização excessiva. “Como médico, eu temo que os pacientes se sintam doentes sem estarem. Estamos vivendo uma situação inusitada e é natural que haja diferentes tipo de reação, mas o quanto isso é doença e quanto é processo adaptativo é uma coisa que temos de ter em mente.”
 
Na pandemia, por exemplo, é importante dissociar a depressão da ideia de sentir tristeza. A depressão clínica hoje compreende 14 quadros diferentes, explica o psicanalista e professor titular do Instituto de Psicologia da USP Christian Dunker.
 
Sobre a busca de diagnóstico, ele avalia que o paciente pode se sentir aliviado quando consegue nomear aquilo que está sentindo. “A gente ainda sente que, se não tiver algo grave, ou um diagnóstico, não tem dignidade para ser cuidado, ou que ninguém vai alcançar aquilo que você tem.”
 
Uma pesquisa realizada pela Faculdade de Medicina da USP, que avaliou participantes do Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (Elsa Brasil), indicou que a crise não alterou de forma significativa a ocorrência de transtornos mentais, embora ela continue alta.
 
Ao todo, foram avaliados 2.117 participantes do Elsa Brasil em três períodos ao longo da pandemia, entre maio e dezembro de 2020. De acordo com os resultados, a taxa de transtorno mental oscilou entre 23,5% e 21,1%. A de depressão caiu de 3,3% para 2,8%, e transtornos de ansiedade variaram entre 13,8% e 8%.
 
Dunker, porém, diz que é preciso mais tempo para entender os impactos reais da pandemia. Além disso, segundo ele há múltiplos fatores a serem levados em consideração, como os possíveis efeitos do isolamento nas crianças e jovens, além do crescimento dos índices de violência doméstica.
 
Mas nem tudo é ruim. Sobre a queda no número de episódios de depressão, o psicanalista diz que muitas pessoas melhoraram porque não precisavam mais trocar o pijama e sair de casa. “Sem ter que sustentar aquele semblante social, alguns se sentiram mais pacificados com essa ‘lentificação’ do cotidiano.”
 
A psicóloga e presidente do Instituto Vita Alere de Prevenção e Posvenção do Suicídio, Karen Scavacini, ressalta que não houve aumento no número de suicídios na pandemia —o que também pode ser explicado, diz, pelo fato de o suicídio não ser algo causal, mas multifatorial.
 
Mas ela também crê que é cedo para conclusões. Ao contrário de países que começam a caminhar para uma normalidade, o Brasil ainda vive uma incerteza. “Não sabemos até quando vamos lidar com a pandemia nem quantos ainda vão morrer.”
 
Ainda que o Brasil já fosse líder em transtornos mentais mesmo antes da pandemia, o lado positivo é que nunca se falou tanto no assunto, avaliam os debatedores.
 
“As buscas aumentaram e isso mostra que houve diminuição do tabu e do preconceito em procurar médicos", afirma Scavacini, citando os mais de 380 mil acessos do site Mapa da Saúde Mental, que conecta pessoas a atendimento gratuito de saúde mental.
 
O programa Única Mente da SulAmérica, que oferece apoio profissional para doenças como ansiedade, depressão, síndrome do pânico e de burnout, também cresceu. Entre setembro de 2019 a abril de 2021, foram mais de 10 mil consultas com psiquiatras e psicólogos, impulsionadas pela telemedicina —89% foram realizadas virtualmente.
 
A demanda foi puxada por mulheres entre 26 e 46 anos, diz Tereza Veloso, diretora técnica médica e de relacionamento de saúde e odonto da SulAmérica. “Ainda não temos dados parrudos, tenho dificuldade em dizer que não tivemos um impacto muito grande.”
 
Em outra direção, Luís Correia afirma que a ausência de evidências é bom sinal. “Se ainda não temos dados é porque não existe algo gritante, não estamos vivendo uma pandemia de transtornos mentais.”
 
A mediação do webinário foi feita pela jornalista da Folha Cláudia Collucci, e o vídeo pode ser visto em folha.com/saudeintegral.
 
PERGUNTAS E RESPOSTAS SOBRE DEPRESSÃO
O que é? A depressão é uma doença mental, na maioria das vezes recorrente e limitante. O diagnóstico é realizado quando o paciente possui um conjunto de sintomas específicos por um período de duração de pelo menos duas semanas. Muitas vezes as pessoas confundem o sentimento de tristeza com depressão
 
Por que eu tenho depressão? A depressão tem múltiplos fatores causais, como genéticos, psicológicos, ambientais e bioquímicos. Eles terão pesos diferentes em cada indivíduo afetado pelo transtorno
 
Como é feito o diagnóstico? Com base em exame clínico e psiquiátrico. Os sintomas, além da história pessoal e familiar do paciente, serão as principais fontes de informação do médico
 
Quais são os sintomas mais comuns? Tristeza intensa, duradoura e angustiante; perda de interesse em atividades que antes proporcionavam prazer; cansaço e dificuldade em concentração; alterações do apetite e do peso (aumento ou perda); alterações no sono; sentimento de baixa autoestima e culpa; irritabilidade; diminuição da libido; ideias de suicídio
 
Só eu tenho depressão? Ao longo da vida, 15% da população brasileira vai ter um episódio da doença. Um estudo feito no Brasil em 2013 mostrou que 4,1% da população possuía esse diagnóstico
 
Tive depressão e fiquei bem. Posso ter novamente? Muito provavelmente, pois a depressão é uma doença recorrente. Não é possível imaginar, porém, quando um episódio retornará — pode ser no mesmo ano ou após muitos anos
 
Quando devo procurar ajuda médica? Quando sentir algum tipo de sofrimento mental e/ ou físico. Um psiquiatra é um médico que saberá examinar, pedir exames e fazer diagnóstico
 
Depressão tem cura? 
Todo episódio de depressão poderá ser tratado, mas a predisposição continuará. Após o primeiro episódio, há 50% de probabilidade de ter mais um, e a chance aumenta a cada episódio
 
Quais são os tipos de tratamento? Entre os principais estão farmacológico com antidepressivos e tratamento psicoterápico. Atividade física regular pode ser um complemento importante
 
Posso parar de tomar a medicação por conta própria? Não. Interromper a medicação sem orientação médica pode resultar em sintomas de abstinência, recaída e maior chance de ter um novo episódio
Todo paciente com depressão tem risco de cometer suicídio? Potencialmente, sim, mas existe uma clara diferença em desejar morrer e desejar se suicidar. Cabe ao médico examinar o paciente e avaliar o grau de risco de cada um
 
Crianças podem ter depressão? Sim, no entanto os sintomas muitas vezes se apresentam de forma diferente do que ocorre nos adultos
 
Fonte: Folha de SP

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